Terça-feira passada, dia 28 de fevereiro, foi aniversário do queridíssimo — e excelente, nas palavras do também adorado Cyro dos Anjos–, Michel de Montaigne, que, aos trinta e poucos anos, realizou o que é hoje meu grande sonho de consumo: se refugiou num castelo e passou o resto de sua vida lendo os grandes, refletindo sobre tudo e produzindo uma das coisas — e não apenas livros — mais lindas já criadas, seus Ensaios.
Abaixo, para celebrar a preciosa data, fica parte de um dos meus textos preferidos, um ensaio chamado Que Nosso Desejo Aumenta com a Dificuldade, escrito por volta de 1576, e encontrado no segundo volume da edição d’Os Ensaios pela Martins Fontes; um texto que mostra um Montaigne fofo e saidinho [ que grande partido você era, Michel! ♥ ]
“Por que Pompeia inventou de ocultar sob uma máscara as belezas de seu rosto, senão para encarecê-las junto a seus amantes? Por que foram cobertas até abaixo dos calcanhares essas belezas que todas desejam mostrar, que todos desejam ver? Por que elas cobrem de tantos empecilhos uns sobre os outros as partes onde se aloja principalmente o nosso desejo e o delas? E para que servem esses espessos bastiões com que as nossas acabam de armar seus flancos, se não para negacear nosso apetite e afastando-nos para elas?
Et fugit ad salices, et se cupit ante videri. (Ela foge para os salgueiros, mas quer que a vejam antes. Virgílio)
Interdum túnica duxit opera moram. (Às vezes ela faz de sua túnica uma muralha contra meus avanços. Propércio)
Para que serve o artifício desse pudor virginal? Essa frieza tranqüila, essa compostura severa, esse alarde de ignorância das coisas que elas conhecem melhor que as instruímos, se não se não para aumentar nosso desejo de vencer, domar e abater, para nosso prazer, toda essa cerimônia e esses obstáculos?
Pois há não apenas prazer como também glória em enlouquecer e desencaminhar essa doçura afetada e esse pudor pueril, e em sujeitar à mercê de nosso ardor uma gravidade altiva e arrogante. É uma glória, dizem eles, triunfar sobre o rigor, modéstia, a castidade e a temperança; e quem desaconselha às mulheres essas qualidades trai a elas e a si mesmo.
Temos de crer que o coração lhes freme de medo, que o som de nossas palavras fere a pureza de seus ouvidos, que elas nos odeiam por isso e consentem em nossa importunidade devido a uma força inelutável. A beleza, mesmo todo-poderosa, não tem como fazer-se saborear sem essa mediação.
Vede na Itália, onde há mais beleza à venda, e da mais fina, como ela tem de procurar outros meios externos e outros artifícios para tornar-se aprazível; e, entretanto, na verdade, não importa o que faça, sendo venal e pública, permanece fraca e lânguida: assim também, mesmo na coragem, de duas ações iguais consideramos porém como a mais bela e mais digna aquela em que há mais dificuldade e que oferece mais risco.”