A Morte do Gourmet
23/08/2014 § Deixe um comentário
“Jamais conseguirão me tirar da mente que legumes crus com maionese têm algo de fundamentalmente sexual. A dureza do legume se insinua na untuosidade do creme; não há, como em diversas preparações, química pela qual um dos dois alimentos perde um pouco de sua natureza para se casar com a do outro, e, assim como o pão e a manteiga, torna-se na osmose uma nova e maravilhosa substância. Ali, a maionese e os legumes permanecerem perenes, idênticos a si mesmos mas, como no ato carnal, enlouquecidos por estarem juntos. Quanto à carne, tem um ganho extra; é que seus tecidos são friáveis, despedaçam-se sobre os dentes e se enchem de condimento, de tal modo que aquilo que mastigamos assim, sem falso pudor, é um coração de firmeza aspergido de aveludado. A isso se soma a delicadeza de um sabor sempre igual, pois a maionese não comporta nada picante, nenhuma pimenta e, como a água, surpreende a boca com sua neutralidade afável; e, depois, os matizes requintados das ondas dos legumes: o picante insolente do rabanete e da couve-flor, o doce aguado do tomate, a acidez discreta dos brócolis, a generosidade da cenoura na boca, o anis crocante do salsão… é uma delícia.”
trecho de A morte do gourmet, da Muriel Barbery, que narra, em prosa elegantíssima — e estimulante de apetite — os dois dias que antecederam a morte do crítico gastronômico Pierre Arthens e seu drama para sentir, pela última vez, um sabor que ele não sabe onde ou em que encontrar.
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