“Ele resolveu o impasse se ajoelhando e lavando os pés da mulher.
Primeiro ele saiu mais uma vez do quarto, e depois de um tempo voltou com uma bacia, uma coisa de plástico amarelo feita para lavar a louça, carregando-a com tanto cuidado que ficou claro que havia água lá dentro. Ele estava com um pano sobre um dos ombros. Colocou a bacia no chão e agachou, apoiando-se em um joelho, com a cabeça baixa, como se fosse pedi-la em casamento.
Ela ficou sem se mexer talvez por um minuto inteiro, o que me pareceu um tempo muito longo ali de fora, no escuro, com uma grande solidão e o terror de uma vida que ainda não tinha sido vivida, e as TVs e os irrigadores de jardim fazendo o barulho de mil vidas que nunca seriam vividas, e os carros passando com o som do trajeto, do movimento, intocáveis, inalcançáveis.
Aí ela se virou na direção dele, tirou os tênis, esticou o braço para alcançar um calcanhar erguido, depois o outro, e tirou as pequenas meias brancas. Ela mergulhou o dedão direito na água, depois o pé inteiro, que desapareceu na bacia amarela. Ele pegou o pano que estava sobre o ombro, sem nunca erguer a cabeça para olhar a esposa, e começou o processo.”
trecho de “Beverly Home”, meu conto preferido de Filho de Jesus, do Denis Johnson. Destaques para “Dundun” e “Emergência” [ quanta poesia cabe na descrição das coisas mais deprimentes? ]