Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk

“- O que é isso? Fora! Gritou Zinóvi Boríssitch com Serguiêi.

– Que dúvida! – arremedou Catierina Lvovna.

Ela fechou a porta com agilidade, enfiou a chave no bolso e tornou a apoiar-se na cama metida em sua camisolinha.

– Anda, Seriójotchka, vem cá , vem, meu pombinho – chamou para perto de si o capataz.

Serguiêi sacudiu as madeixas e sentou-se acintosamente ao lado da patroa.

– Ó, Senhor! Meu Deus! Mas o que é isso? O que vocês estão querendo, seus bárbaros?! – gritou Zinóvi Borissitch todo vermelho levantando-se da poltrona.

– O quê? Ou será que não estás gostando? Olha, olha o meu falcão, olha que beleza!

Catierina Lvovna caiu na risada e deu um beijo apaixonado em Serguiêi na frente do marido.

Nesse instante uma estrondosa bofetada lhe ardeu na face e Zinóvi Boríssitch precipitou-se em direção à janela aberta.”

Vocês não têm ideia — bom, os que já leram têm — das reviravoltas que se seguem a esse trecho de Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk, novelinha vertiginosa do Nikolai Leskov.

Não é à toa que o escritor foi tema dO Narrador, do Benjamin, um dos poucos textos prestáveis lidos na Comunicação [ que ideia infeliz ].

O Crocodilo

“– Ivan Matviéitch, meu querido, então você está vivo? – balbuciou Ielena Ivânova.
— Vivo e com saúde – respondeu Ivan Matviéitch – e, graças ao Altíssimo, fui engolido sem qualquer dano. Preocupo-me apenas com o fato de como os meus superiores vão encarar este episódio, pois, tendo recebido uma passagem para o estrangeiro, fui parar dentro de um crocodilo, o que não tem lá muita graça…
— Mas, meu querido, não se preocupe em ser engraçado; em primeiro lugar, é preciso esgravatar você de algum modo para fora daí – interrompeu-o Ielena Ivânova.
— Esgravatar! – exclamou o patrão. Eu não vou permitir esgravatar crocodilo. Agora, virá ainda muito mais publicum, vou pedir funfzig copeques, e Karlchen não precisará mais comer.
— Gott sei dank – acudiu a patroa.
— Eles têm razão – observou tranquilamente Ivan Matviéitch. O princípio econômico em primeiro lugar.”

trecho do divertido e absurdo O Crocodilo, conto inacabado do Dostoiévski em que um funcionário público é engolido pelo réptil que dá título à história. A edição da Editora 34 traz ainda Notas de Inverno sobre Impressões de Verão, registros impagáveis de viagens do escritor à Europa Ocidental, especialmente pela França. Totalmente demais os comentários sobre o casamento e o amor dos parisienses.

Dá pra ler os dois textos, não sei se na íntegra, aqui.

Pequeno-Burgueses

Tiêteriev: (Calmamente) Não grite, velho! Você não pode expulsar tudo que vai contra a sua vontade…E não se aflija.. O seu filho vai voltar…

Bessiêmenov: (Rapidamente) Mas…como você sabe?

Tiêteriev: Ele não vai muito longe de você. Ele subiu momentaneamente, foi arrastado para lá…Mas ele vai descer… Você vai morrer, ele vai reformular um pouco esse chiqueiro, vai trocar a mobília e viver, assim como você, de maneira tranquila, sensata e confortável…

Pertchíkhin: (Para Bessiêmenov). Está vendo? Seu bobo! Seu apressado! Ele aqui desejando o seu bem… Dizendo palavras amigáveis para consolá-lo… e você aí berrando! O Teriênti, irmão, é um homem sábio…

Tiêteriev: Ele vai trocar a mobília e viver com a certeza de que seu dever perante a vida está cumprido. Afinal, ele é exatamente igual a você…

Pertchíkhin: Tal e qual!

Tiêteriev: Exatamente igual…Covarde e tolo…

Pertchíkhin: (Para Tiêteriev) Espere! O que você disse?

Bessiêmenov: Você… fale direito comigo, não me insulte assim… não ouse!

Tiêteriev: E quando chegar a vez dele, será tão avarento como você, presunçoso e cruel. (Pertchíkhin olha admiradamente para o rosto de Tiêteriev, sem entender se ele está tentando confortar o velho ou insultá-lo. No rosto de Bessiêmenov também se percebe perplexidade, mas a fala de Tiêteriev o interessa.) E até mesmo infeliz ele será como você está agora…A vida segue em frente, velho. Quem não consegue acompanhá-la acaba ficando sozinho…

Pertchíkhin: Viu? Ouviu? Pelo visto tudo vai sair do jeito que tem que ser … e você aí irritado!

Bessiêmenov: Pare, me deixe em paz!

Tiêteriev: E da mesma maneira não terão piedade de seu infeliz e lamentável filho, e vão dizer a verdade na cara dele, assim como eu estou falando para você: ‘A troco de que você viveu? O que fez de bom?’. E o seu filho, assim como você agora, não vai ter o que responder…”

Górki, totalmente ácido e lúcido, pondo o dedo na ferida, no belo Pequeno-Burgueses.

Pequeno-Burgueses

“Em seu artigo intitulado ‘Notas sobre a mentalidade pequeno-burguesa’, Górki escreve que esta mentalidade consiste de

‘uma estrutura da alma do atual representante das classes dominantes. As principais particularidades da alma pequeno-burguesa são: um senso de propriedade distorcido, um desejo tenso de que sempre haja tranquilidade dentro e fora de si, um medo intenso diante de qualquer coisa que possa, de uma forma ou de outra, perturbar esta tranquilidade; e uma aspiração, persistente, de poder encontrar uma explicação para tudo aquilo que venha a oscilar este equilíbrio que se estabeleceu na alma, ou que possa destruir os pontos de vista, já estabelecidos, sobre a vida e as pessoas.”

trecho da introdução, de Elena Vássina, a Pequeno-Burgueses, peça absurda e atemporal do grande Górki.

A dócil

“Cega, cega! Está morta, não ouve! Você não sabe com que paraíso eu teria te cercado. O paraíso estava na minha alma, eu o teria plantado em volta de você! Bem, você não me amaria – e daí, o que importa? – Tudo seria assim, tudo ficaria assim. Faria confidências apenas para mim, como amigo – e então ficaríamos alegres, e riríamos alegremente, olhos nos olhos. Viveríamos assim.

E se você se apaixonasse por outro – e daí, e daí! Iria com ele, rindo, enquanto eu olharia do outro lado da rua… Ah, fosse o que fosse, contanto que ela abrisse os olhos uma única vez! Por um só momento, um só! que me lançasse um olhar, assim como ainda há pouco, quando estava diante de mim e jurava que seria uma esposa fiel! Ah, num único olhar ela teria entendido tudo!

A casmurrice! Ah, a natureza! Os homens estão sozinhos na terra – essa é a desgraça! ‘Há algum homem vivo nesses campos?’ – grita o bogatir russo. Também grito eu, que não sou bogatir, e ninguém dá sinal de vida. Dizem que o sol vai nascer e – olhem para ele, por acaso não é um cadáver?

Tudo está morto, e há cadáveres por toda a parte. Há somente os homens, e em volta deles o silêncio – essa é a terra! ‘Homens, amai-vos uns aos outros’ – quem disse isso? De quem é esse mandamento? O pêndulo bate insensível, repugnante. Duas horas da madrugada. As suas botinhas estão junto da cama, como que esperando por ela… Não, é sério, quando amanhã a levarem embora, o que é que vai ser de mim?”

trecho do relato desesperado de ‘A Dócil’  em “Duas Narrativas Fantásticas”, do Dostoiévski, o primeiro livro lido durante as férias, este período mágico em que me lembro, não mais com pesar e sim com alegria, que há escritos no mundo que não tratam de Direito.

A morte de Ivan Ilitch

“E quanto mais as recordações de Ivan Ilitch se afastavam da infância, mais se aproximavam do presente, mais as alegrias que vivera lhe pareciam duvidosas e ocas. Isso começava pela Escola de Direito: ali conhecera ainda momentos verdadeiramente bons; ali conhecera a alegria, a amizade, a esperança. Mas, nas classes superiores, esses momentos faziam-se já mais raros. Mais tarde, no tempo em que trabalhara como funcionário junto ao governador, tivera também alguns belos minutos: amara mulheres. Depois, tudo se confundia e os belos instantes iam rareando de novo, cada vez mais…

Seu casamento… Um acaso; e as desilusões, o mau hálito da mulher, a sensualidade, a hipocrisia… Depois, o seu serviço, tão insípido, as preocupações financeiras. E isso durava um ano, dois anos, dez anos. Sempre a mesma coisa. E à medida que os anos se escoavam, a vida se tornava mais vazia, mais insossa. “Era como se eu descesse uma ladeira, supondo que estivesse a subi-la. E, de fato, perante a opinião pública eu subia, mas na realidade deslizava declive abaixo, a vida me escapava… E aí está! Tudo se acabou. Morre agora!”

“Mas que significa isto, afinal? Por quê? Impossível! Não é possível que a vida seja tão estúpida, tão má. E se é realmente má e estúpida, por que há de ser preciso morrer e morrer sofrendo? Há nisso qualquer coisa que não entendo.”

“Talvez eu não tenha vivido como devia – pensou. – Mas não é possível, pois sempre fiz o que era preciso fazer.” E afastava logo, como inconcebível, a única solução de todo o enigma da vida e da morte. “Que queres agora? Viver? Viver como? Viver como vivias sendo juiz, quando o oficial de justiça anunciava: “A Corte!” A Corte! – repetia-se ele. – Ali estava o julgamento. Entretanto, não sou culpado! – clamou com raiva. – Por quê?

Parou de chorar e, com o rosto voltado para a parede, pôs-se a refletir sempre na mesma coisa: por quê? por que esta coisa aterrorizante?

Por mais que fizesse, contudo, não achava resposta. E quando surgia dentro dele aquela idéia – o que se dava freqüentemente – de que tudo aquilo provinha do fato de não ter vivido como devia, lembrava-se logo da correção de sua vida e enxotava para longe essa idéia absurda.”

trecho do angustiante e nervoso A Morte de Ivan Ilitch do Tolstói. Em uma palavra: dores.

A Gaivota

 

Nina: É difícil representar a peça que você escreveu. Não tem personagens vivos.

Trepliov: Personagens vivos! Não se deve representar a vida do jeito que ela é, nem do jeito que devia ser, mas sim como ela se apresenta nos sonhos.

***

“Macha: Conto tudo isso porque o senhor é um escritor. Pode usar. Digo com toda sinceridade: se ele tivesse ficado gravemente ferido, eu não aguentaria viver nem mais um minuto. Mas sou corajosa. Tomei uma decisão: vou arrancar este amor do meu coração pela raiz.

Trigórin: De que modo?

Macha: Vou me casar. Com Miedviediênko.

Trigórin: O professor?

Macha: Sim.

Trigórin: Não entendo qual a necessidade disso.

Macha: Amar sem ter esperança, ficar anos inteiros à espera de que uma coisa aconteça… Depois que eu casar, não vou mais nem pensar em amor, preocupações novas vão abafar tudo o que é antigo. Vai ser uma transformação, sabe? Vamos tomar mais uma?”

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“Se algum dia precisar da minha vida, venha e tome-a.”, frase da Nina para o Trigórin.

 

Tchekhov, matador como sempre, em A Gaivota, peça linda de 1895.  Interessados que consigam ler no computador — eu não dou conta– leem aqui.