Ratos e Homens

“— Conta… como você já me contou antes — disse Lennie, matreiro.
— Contar o quê?
— Aquilo dos coelhos.
— Você não vai me fazer de trouxa.
— Ah, George, conta. Por favor, George. Como antes.
— Gosta disso, não é? Tá bem, vou te contar e depois vamos comer.
A voz de George tornou-se mais profunda. Pronunciava as palavras ritmadamente, como se as tivesse repetido inúmeras vezes antes.
— Os caras como a gente, que trabalham em fazendas, são os sujeitos mais solitários do mundo. Não têm família. Não pertencem a lugar nenhum. Chegam numa fazenda e trabalham até juntarem uns cobres; então vão pra cidade e gastam a gaita toda. Logo depois, a gente fica sabendo que tão sacudindo o rabo em outra fazenda. Eles não podem esperar nada do futuro.
Lennie exultava.
— É isso… é isso… Agora conta como é com a gente.
— Com a gente não é assim — continuou George. — Nós temos futuro. Temos alguém pra conversar, alguém que se importa com a gente. Não temos que sentar num bar gastando a gaita só porque não tem outro lugar pra ir. Se outros caras vão em cana, podem apodrecer na cadeia, porque ninguém liga pra eles. Mas nós não.
— Mas nós não! — interrompeu Lennie. — E por quê? Porque… porque eu tenho você pra tomar conta de mim e você me tem pra tomar conta de você, é por isso. Riu, encantado.
— Agora continua, George!
— Você sabe tudo de cor. Pode até contar você mesmo.
— Não, conta você. Eu esqueço umas coisas. Conta como vai ser.
— Tá bem. Um dia… vamos juntar uma gaita e ter uma casinha e um pedaço de terra, uma vaca, uns porcos e…
— E vamos viver no bem-bom! — gritou Lennie. — E ter coelhos. Continua, George! Conta o que a gente vai ter no jardim e fala dos coelhos nas gaiolas, da chuva no inverno e da estufa, e como a nata do leite vai ser tão gorda que a gente nem vai poder cortar. Conta, George.
— Por que você mesmo não faz isso? Já sabe tudo.
— Não… conta você. Se eu contar não é a mesma coisa. Continua, George. Conta como eu vou cuidar dos coelhos.
— Tá bem — disse George. — Vamos ter uma boa horta, uma coelheira e galinhas. E quando chover no inverno a gente vai dizer que se dane o trabalho e vai acender um bom fogo, sentar perto dele e ouvir a chuva cair no telhado. Bolas! — Puxou seu canivete. — Não tenho tempo pra falar mais.”

trecho de Ratos e Homens, um soco no estômago, do J.Steinbeck. Poucos livros fizeram um retrato tão bonito e simples de coisas como amizade, esperança e sonhos destroçados. Quem ainda não tiver lido encontra o livro grátis aqui.