Homem Comum

“Eram apenas ossos, ossos dentro de uma caixa, mas os ossos deles eram dele, e ele aproximou-se dos ossos o máximo que pôde, como se a proximidade pudesse estabelecer um vínculo com eles e atenuar o isolamento causado pela perda do futuro e religá-lo a tudo o que havia ido embora.

Durante uma hora e meia, aqueles ossos foram a coisa mais importante no mundo. Eram tudo o que importava, a despeito do ambiente de decadência daquele cemitério abandonado. Na presença daqueles ossos, ele não conseguia se afastar deles, não conseguia não falar com eles, não conseguia fazer outra coisa senão ouvir o que eles diziam. Entre ele e aqueles ossos muita coisa aconteceu, muito mais do que agora entre ele e os que ainda tinha carne em torno de seus ossos.

A carne vai embora, porém os ossos permanecem. Os ossos eram o único consolo que restava para alguém que não acreditava na vida após a morte e sabia, se, nenhuma dúvida. que Deus era uma ficção, e que ela vida era a única que ele teria. Como diria a jovem Phoebe no tempo em que eles se conheceram, não seria demais afirmar que seu maior prazer agora era ir ao cemitério. Apenas ali o contentamento era possível.”

trecho do Homem Comum, do grandioso Roth,  lido uns quarenta anos antes do tempo para já ir amaciando a carne.